terça-feira, 30 de novembro de 2010

Castor - Parte IV

Descobri que o contraventor Castor de Andrade era, também, um grande saudosista. O passado, para aquele homem das páginas policiais, era assunto de muita importância. O seus feitos no carnaval foram resumidos nos quinze minutos restantes da entrevista. Era o tempo que faltava para a grande surpresa que o contraventor reservava para o aprendiz de jornalismo. A grande jogada estava prestes a ocorrer com a carta que o contraventor guardava na manga. Hoje, pensando bem, acredito que somente um foca do jornalismo poderia receber tal premio. E aconteceu exatamente assim:

"Senhor Toscano, gostei do senhor! Por isso vou ler, para o senhor, com exclusividade, uma carta que escrevi para o Toni Carrado", anunciou, Castor de Andrade,  fazendo a entrevista ganhar um ar de suspense...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Castor de Andrade - Parte III

Tímido, entro na sala em que o contraventor me aguarda. A impressão que tenho é que Castor está menos
receptivo do que no primeiro contato telefônico. Antes, me parecia mais humano. Agora, o pragmatismo
torna-se mais visível em sua postura. Principalmente quando demonstro insegurança para ligar o gravador, emprestado de uma amiga.

- Senhor Toscano, vamos deixar essa entrevista para outra hora! Tempo é dinheiro. Não tenho tempo a perder! Sentenciou, sem pudor, me deixando atônito.

-Doutor Castor, não sei o que aconteceu com o gravador. Será que o senhor pode me ajudar? Perguntei, destilando um misto de ousadia e irreverência, para tentar ganhar tempo.

-Senhor Toscano, não entendo de gravador. Respondeu, seco, o contraventor.

-Doutor Castor, vou trocar as pilhas, vai funcionar, com certeza. Disse, nervoso, revirando a bolsa fotográfica.

O gravador, enfim, funciona com as pilhas novas. Inicio, assim a entrevista com um personagem que se revela interessado em falar e ser ouvido. E, nesse aspecto, me coloquei inteiramente à sua disposição. Castor de Andrade sempre foi um excelente orador. Com raciocínio rápido e inteligente, conduziu a entrevista sem exigir muito de um aprendiz de jornalista, ávido, não somente pela história de um contraventor, dirigente de clube de futebol, mas pelo "artista", que sabia aproveitar-se do painel  jornalístico para montar o seu próprio espetáculo. Nesse aspecto, Castor, era quase um gênio da comunicação.

Sobre o Bangu Atlético Clube, Castor lembrou da grande tragédia do seu empreendedorismo futebolístico, quando levou o clube à decisão do campeonato brasileiro de 1985. Na grande finalíssima, em uma única partida decisiva, o time perdeu o título nos penaltis, dentro do Maracanã, surpreedentemente, lotado. No maior estádio do mundo se viam bandeiras de Vasco, Flamengo, Botafogo, Fluminense, America, Madureira, São Cristóvão, Portuguesa, Olaria e outros. O Coritiba, do técnico Evaristo de Macedo, fez o primeiro gol com o jogador Lela, pai dos jogadores Richarlyson do Atlético Mineiro e Alecsandro do Vasco da Gama. O Bangu empatou. Nas cobranças de penalidades, que apontariam o grande campeão, um grande azar...

"O Ado era um jogador maravilhoso. Sem ele não teríamos chegado à final do brasileiro de 1985, contra o Coritiba. Foi um grande azar. O menino chorou muito no vestiário, tive que consolar o jogador", lembrou Castor que, no final da década de 1970, iniciava projeto para tornar o Bangú o quinto grande clube de futebol do Rio de Janeiro. Nesse período jogaram pelo clube jogadores como: Pedro Rocha (ex São Paulo), Marco Antônio (ex Flu e seleção), Renê (ex zagueiro do Vasco), Luizinho das Arábias (ex ídolo do Flamengo), Perivaldo (ex Botafogo), Mauro Galvão (ex Internacional), Gilmar (ex goleiro do Corinthians), Mario (ex apoiador do Flu), Claudio Adão (ex Flamengo), Marinho (ex América Mineiro). Na decisão do brasileiro o Bangu jogou com Gilmar, Marcio Nunes, Mauro Galvão, Oliveira e Baby; Israel, Mario e Lulinha; Marinho,  Claudio Adão e Ado...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Castor de Andrade - Parte II

“Então, senhor Toscano, está marcado para as dez horas, quarta-feira, no meu escritório. Anote o endereço”, determinou Castor de Andrade.

Descrente, anotei, mesmo acometido por uma taquicardia, o endereço em uma folha de caderno. Fiquei me questionando: O que é que eu estou fazendo? Se o cara não gostar da matéria? O que pode me acontecer? Vai que ele resolve fazer uns furinhos em mim e pôr na conta de Deus...



Centro do Rio de Janeiro, quarta-feira, 10 de maio de 1988

Rua da Assembléia, 10



O elevador pára no 15º andar e penso se não estaria sendo ingênuo. Afinal de contas, poderia pagar caro a ousadia de entrevistar um contraventor acostumado a superar, de forma muito peculiar, os mais difíceis obstáculos. O ímpeto dessa jornada me daria respostas positivas? Não sabia. Correr em busca de experiência profissional não é nenhum pecado, mas um pouco de cuidado não faz mal a ninguém. Precisava viver o realismo, anseio de todo e qualquer aluno universitário. Já havia produzido textos para outros jornais, mas todos com personagens sem expressividade, geralmente para jornais alternativos, tablóides de bairros, de publicação mensal.

Sobre a porta o número 1513 indicava que havia encontrado o endereço do contraventor. Acima, do lado direito da porta, uma câmera de filmar apontava na minha direção. Toquei a campainha e, nervoso, esperei. Estava sendo, absolutamente, pontual. Cheguei cedo, às 9 horas e trinta minutos da manhã. Os mais velhos sempre recomendam que a missa se espera na porta da igreja...

Toco o interfone:

-Pois não, deseja falar com quem? Pergunta uma voz metálica.

-Com o doutor Castor, respondi.

-Quem deseja? Perguntou.

-Paulo Toscano.

-Sim, vou abrir a porta. A resposta, que vem do interfone, confirma que estou sendo esperado.

A porta, então, se abre, lentamente, e, diante de mim, surge um homem negro, de compleição forte, alto, de terno e gravata.

-Senhor Toscano, pode entrar. Pediu o homem.

-Obrigado. Segui, estudando o ambiente.

Virando-se de costas para mim pude observar aquele novo e estranho personagem. O elegante negro me fez lembrar um personagem histórico: Gregório Fortunato. O chefe da segurança de Getúlio Vargas. Negro, alto, forte e elegante. Era, na verdade, o braço direito do presidente que cometeu suicídio em agosto de 1954. Segundo documentos da época, Gregório teria sido o pivô pela única solução encontrada por Getúlio, no seu pior momento político: A própria morte.

Sofrendo com a oposição incansável do jornalista Carlos Lacerda, Getúlio teria feito um infeliz comentário, mal interpretado pelo seu fiel escudeiro: “Temos que dar um fim nesse jornalista”. Gregório, então, contrata um taxista para matar Carlos Lacerda. Na Rua Toneleiros, no bairro de Copacabana, o taxista erra o alvo, mas acerta mortalmente um major que acompanhava o jornalista. Carlos Lacerda sai ferido no pé e usa o atentado para atacar ferozmente Getúlio Vargas, que se vê sem opção. Com o suicídio, Getúlio Vargas dá um golpe na oposição. A revolução, então, fora adiada por dez anos.

O “Gregório Fortunato” do contraventor mancava de uma perna, revelando mais uma característica intrigante. Parecia um personagem saído de um filme do agente 007, o famoso James Bond.

O escritório era cinematográfico. O espaço acomodava móveis de muito bom gosto. O carpete, por exemplo, escondia os sapatos. O ar condicionado dava, ao ambiente, um clima polar. Por ter me adiantado ao encontro fui obrigado a suportar 30 longos minutos, congelando, protegido, apenas, por uma camisa de mangas curtas, até a chegada do contraventor.

Castor de Andrade chega, pontualmente, às 10 horas. Passa por mim, dando um simples bom dia, sem tirar o olhar para a porta de sua sala. Entra e fecha a porta. Cinco minutos depois, “Gregório Fortunato”, após atender o telefone interno, me informa que devo entrar...

domingo, 11 de abril de 2010

Suspense marca o encontro com Castor de Andrade...




Rio de Janeiro, domingo, 7 de maio de 1988


                      Telefonema para a residência de Castor de Andrade.



- “Olha, senhor Paulo Toscano, não quero falar com a imprensa, pois ela é sensacionalista. Agora que estou com este problema do cassino de vídeo-poquer é só disso que os senhores querem falar, portanto não podemos marcar entrevista”. Assim, de forma objetiva, o contraventor tentou descartar a entrevista.

Somente a ambição pode tirar um jovem de uma cilada. E, naquele momento, o que me restava era a vontade de realizar. Precisava de um bom argumento para prosseguir e obter sucesso. Claro que não sabia exatamente o que tirar da entrevista, mas sabia que algo de bom aconteceria. Castor de Andrade era uma lenda viva da sociedade carioca.

Personagem que dominava, como ninguém, a argumentação dirigida a mídia. Isso dizia respeito ao futebol, ao carnaval e às matérias de primeira página da editoria de polícia. Patrono do Bangú Atlético Clube e da Mocidade Independente de Padre Miguel, possuía um estilo fino e, ao mesmo tempo, malandro de um homem, que vendia o valor da palavra.

Nas décadas de 1970 e 1980, Castor era famoso por proferir frases de efeito, típicas dos contraventores de uma época de ouro, onde os seus elementos valorizavam a noção de ética. Contratos de negócios não eram usuais no mundo da contravenção. Não possuíam o mesmo valor de uma palavra empenhada.

 Uma quebra de acordo não estimulava o acesso a um advogado. Talvez, por esse motivo pesava sobre ele acusações sobre assassinatos. Certa vez, questionado por jornalistas sobre tais crimes, Castor, então, teria respondido: “Eu não mato ninguém, apenas faço os furinhos. Quem mata é Deus!”.

_ Doutor Castor, não se preocupe, pois não serei insistente. Nós podemos conversar sobre o que o senhor quiser e onde desejar. Argumentei resignado, acreditando no melhor...

Próxima postagem: A resposta do contraventor.