terça-feira, 20 de abril de 2010

Castor de Andrade - Parte II

“Então, senhor Toscano, está marcado para as dez horas, quarta-feira, no meu escritório. Anote o endereço”, determinou Castor de Andrade.

Descrente, anotei, mesmo acometido por uma taquicardia, o endereço em uma folha de caderno. Fiquei me questionando: O que é que eu estou fazendo? Se o cara não gostar da matéria? O que pode me acontecer? Vai que ele resolve fazer uns furinhos em mim e pôr na conta de Deus...



Centro do Rio de Janeiro, quarta-feira, 10 de maio de 1988

Rua da Assembléia, 10



O elevador pára no 15º andar e penso se não estaria sendo ingênuo. Afinal de contas, poderia pagar caro a ousadia de entrevistar um contraventor acostumado a superar, de forma muito peculiar, os mais difíceis obstáculos. O ímpeto dessa jornada me daria respostas positivas? Não sabia. Correr em busca de experiência profissional não é nenhum pecado, mas um pouco de cuidado não faz mal a ninguém. Precisava viver o realismo, anseio de todo e qualquer aluno universitário. Já havia produzido textos para outros jornais, mas todos com personagens sem expressividade, geralmente para jornais alternativos, tablóides de bairros, de publicação mensal.

Sobre a porta o número 1513 indicava que havia encontrado o endereço do contraventor. Acima, do lado direito da porta, uma câmera de filmar apontava na minha direção. Toquei a campainha e, nervoso, esperei. Estava sendo, absolutamente, pontual. Cheguei cedo, às 9 horas e trinta minutos da manhã. Os mais velhos sempre recomendam que a missa se espera na porta da igreja...

Toco o interfone:

-Pois não, deseja falar com quem? Pergunta uma voz metálica.

-Com o doutor Castor, respondi.

-Quem deseja? Perguntou.

-Paulo Toscano.

-Sim, vou abrir a porta. A resposta, que vem do interfone, confirma que estou sendo esperado.

A porta, então, se abre, lentamente, e, diante de mim, surge um homem negro, de compleição forte, alto, de terno e gravata.

-Senhor Toscano, pode entrar. Pediu o homem.

-Obrigado. Segui, estudando o ambiente.

Virando-se de costas para mim pude observar aquele novo e estranho personagem. O elegante negro me fez lembrar um personagem histórico: Gregório Fortunato. O chefe da segurança de Getúlio Vargas. Negro, alto, forte e elegante. Era, na verdade, o braço direito do presidente que cometeu suicídio em agosto de 1954. Segundo documentos da época, Gregório teria sido o pivô pela única solução encontrada por Getúlio, no seu pior momento político: A própria morte.

Sofrendo com a oposição incansável do jornalista Carlos Lacerda, Getúlio teria feito um infeliz comentário, mal interpretado pelo seu fiel escudeiro: “Temos que dar um fim nesse jornalista”. Gregório, então, contrata um taxista para matar Carlos Lacerda. Na Rua Toneleiros, no bairro de Copacabana, o taxista erra o alvo, mas acerta mortalmente um major que acompanhava o jornalista. Carlos Lacerda sai ferido no pé e usa o atentado para atacar ferozmente Getúlio Vargas, que se vê sem opção. Com o suicídio, Getúlio Vargas dá um golpe na oposição. A revolução, então, fora adiada por dez anos.

O “Gregório Fortunato” do contraventor mancava de uma perna, revelando mais uma característica intrigante. Parecia um personagem saído de um filme do agente 007, o famoso James Bond.

O escritório era cinematográfico. O espaço acomodava móveis de muito bom gosto. O carpete, por exemplo, escondia os sapatos. O ar condicionado dava, ao ambiente, um clima polar. Por ter me adiantado ao encontro fui obrigado a suportar 30 longos minutos, congelando, protegido, apenas, por uma camisa de mangas curtas, até a chegada do contraventor.

Castor de Andrade chega, pontualmente, às 10 horas. Passa por mim, dando um simples bom dia, sem tirar o olhar para a porta de sua sala. Entra e fecha a porta. Cinco minutos depois, “Gregório Fortunato”, após atender o telefone interno, me informa que devo entrar...

domingo, 11 de abril de 2010

Suspense marca o encontro com Castor de Andrade...




Rio de Janeiro, domingo, 7 de maio de 1988


                      Telefonema para a residência de Castor de Andrade.



- “Olha, senhor Paulo Toscano, não quero falar com a imprensa, pois ela é sensacionalista. Agora que estou com este problema do cassino de vídeo-poquer é só disso que os senhores querem falar, portanto não podemos marcar entrevista”. Assim, de forma objetiva, o contraventor tentou descartar a entrevista.

Somente a ambição pode tirar um jovem de uma cilada. E, naquele momento, o que me restava era a vontade de realizar. Precisava de um bom argumento para prosseguir e obter sucesso. Claro que não sabia exatamente o que tirar da entrevista, mas sabia que algo de bom aconteceria. Castor de Andrade era uma lenda viva da sociedade carioca.

Personagem que dominava, como ninguém, a argumentação dirigida a mídia. Isso dizia respeito ao futebol, ao carnaval e às matérias de primeira página da editoria de polícia. Patrono do Bangú Atlético Clube e da Mocidade Independente de Padre Miguel, possuía um estilo fino e, ao mesmo tempo, malandro de um homem, que vendia o valor da palavra.

Nas décadas de 1970 e 1980, Castor era famoso por proferir frases de efeito, típicas dos contraventores de uma época de ouro, onde os seus elementos valorizavam a noção de ética. Contratos de negócios não eram usuais no mundo da contravenção. Não possuíam o mesmo valor de uma palavra empenhada.

 Uma quebra de acordo não estimulava o acesso a um advogado. Talvez, por esse motivo pesava sobre ele acusações sobre assassinatos. Certa vez, questionado por jornalistas sobre tais crimes, Castor, então, teria respondido: “Eu não mato ninguém, apenas faço os furinhos. Quem mata é Deus!”.

_ Doutor Castor, não se preocupe, pois não serei insistente. Nós podemos conversar sobre o que o senhor quiser e onde desejar. Argumentei resignado, acreditando no melhor...

Próxima postagem: A resposta do contraventor.