“Então, senhor Toscano, está marcado para as dez horas, quarta-feira, no meu escritório. Anote o endereço”, determinou Castor de Andrade.
Descrente, anotei, mesmo acometido por uma taquicardia, o endereço em uma folha de caderno. Fiquei me questionando: O que é que eu estou fazendo? Se o cara não gostar da matéria? O que pode me acontecer? Vai que ele resolve fazer uns furinhos em mim e pôr na conta de Deus...
Centro do Rio de Janeiro, quarta-feira, 10 de maio de 1988
Rua da Assembléia, 10
O elevador pára no 15º andar e penso se não estaria sendo ingênuo. Afinal de contas, poderia pagar caro a ousadia de entrevistar um contraventor acostumado a superar, de forma muito peculiar, os mais difíceis obstáculos. O ímpeto dessa jornada me daria respostas positivas? Não sabia. Correr em busca de experiência profissional não é nenhum pecado, mas um pouco de cuidado não faz mal a ninguém. Precisava viver o realismo, anseio de todo e qualquer aluno universitário. Já havia produzido textos para outros jornais, mas todos com personagens sem expressividade, geralmente para jornais alternativos, tablóides de bairros, de publicação mensal.
Sobre a porta o número 1513 indicava que havia encontrado o endereço do contraventor. Acima, do lado direito da porta, uma câmera de filmar apontava na minha direção. Toquei a campainha e, nervoso, esperei. Estava sendo, absolutamente, pontual. Cheguei cedo, às 9 horas e trinta minutos da manhã. Os mais velhos sempre recomendam que a missa se espera na porta da igreja...
Toco o interfone:
-Pois não, deseja falar com quem? Pergunta uma voz metálica.
-Com o doutor Castor, respondi.
-Quem deseja? Perguntou.
-Paulo Toscano.
-Sim, vou abrir a porta. A resposta, que vem do interfone, confirma que estou sendo esperado.
A porta, então, se abre, lentamente, e, diante de mim, surge um homem negro, de compleição forte, alto, de terno e gravata.
-Senhor Toscano, pode entrar. Pediu o homem.
-Obrigado. Segui, estudando o ambiente.
Virando-se de costas para mim pude observar aquele novo e estranho personagem. O elegante negro me fez lembrar um personagem histórico: Gregório Fortunato. O chefe da segurança de Getúlio Vargas. Negro, alto, forte e elegante. Era, na verdade, o braço direito do presidente que cometeu suicídio em agosto de 1954. Segundo documentos da época, Gregório teria sido o pivô pela única solução encontrada por Getúlio, no seu pior momento político: A própria morte.
Sofrendo com a oposição incansável do jornalista Carlos Lacerda, Getúlio teria feito um infeliz comentário, mal interpretado pelo seu fiel escudeiro: “Temos que dar um fim nesse jornalista”. Gregório, então, contrata um taxista para matar Carlos Lacerda. Na Rua Toneleiros, no bairro de Copacabana, o taxista erra o alvo, mas acerta mortalmente um major que acompanhava o jornalista. Carlos Lacerda sai ferido no pé e usa o atentado para atacar ferozmente Getúlio Vargas, que se vê sem opção. Com o suicídio, Getúlio Vargas dá um golpe na oposição. A revolução, então, fora adiada por dez anos.
O “Gregório Fortunato” do contraventor mancava de uma perna, revelando mais uma característica intrigante. Parecia um personagem saído de um filme do agente 007, o famoso James Bond.
O escritório era cinematográfico. O espaço acomodava móveis de muito bom gosto. O carpete, por exemplo, escondia os sapatos. O ar condicionado dava, ao ambiente, um clima polar. Por ter me adiantado ao encontro fui obrigado a suportar 30 longos minutos, congelando, protegido, apenas, por uma camisa de mangas curtas, até a chegada do contraventor.
Castor de Andrade chega, pontualmente, às 10 horas. Passa por mim, dando um simples bom dia, sem tirar o olhar para a porta de sua sala. Entra e fecha a porta. Cinco minutos depois, “Gregório Fortunato”, após atender o telefone interno, me informa que devo entrar...